Cristina Regadas at Sol Pele - Vigo Expo




O Horizonte no chão

A horizontalidade é o arranjo que Cristina Regadas elegeu para a exposição que intitulou: Frame of reference – Campo, Contra-campo.
A artista dedica-se à fotografia. Dedicar-se não quer dizer que fotografa somente.
Ela percebeu que na fotografia há uma ligação ao tempo e ao espaço da realidade que ultrapassa o mero índice.
As fotografias nas mãos da Cristina são remanescentes de viagens cosmológicas. São transposições da luz que provem das explosões celestes em direcção aos presentes.
A artista encontra imagens que depois procura para pensar o seu tempo na vida. Ela sabe que o passado é coetâneo de si. O passado está sempre imanente. Ela testa e comprova que não há morte no cosmos.
Mas desta vez a Cristina estendeu os seus arquétipos à alquimia da cor dos pigmentos mais artesanais. Manteve o encontro com películas fotográficas que lhe chegaram por correio, as quais fez coabitar com fotografias do próprio arquivo1. As imagens são maioritariamente captações de formações geológicas. Vêm não se sabe bem de onde, são desertos, depressões áridas, montanhas de grandes altitudes, neve, areia, rochas, vegetação, água.
E é a partir destes referentes que decide criar pinturas que são tingimentos, servindo-se de várias plantas e pigmentos naturais, ex: beterraba, açafrão, romã, funcho, couve-roxa, feto.
Com eles impregna as cores que libertam na trama dos tecidos de algodão e linho. A par vai pintando a guache sobre papeis. Estas são pinturas abstractas com recortes rectilíneos, formando polígonos que delimitam manchas e gradações gestuais. No chão de cota superior do “Sol Pele” todos estes elementos se vão estendendendo para criar proximidades em que a cor é o principal aglutinante.
O chão é de uma antiga fábrica com as marcas do seu tempo, as fendas do seu desgaste as silhuetas dos objectos que conteve. Estas texturas estão em diálogo permanente com o horizonte e as estratificações das paisagens fotográficas, com as engelhas dos tecidos e as manchas dos guaches.
Há humanos que surgem em poucas das fotografias – são contempladores. Há um auto-retrato da artista quando criança, num Portugal dos pequeninos junto a uma escultura de um elefante que encontra reflexo na fotografia de dois outros elefantes de um outro lado do mundo. Um plano da mão da Cristina é um auto-retrato do presente. E é com a mão que a artista insiste que o tacto é um primordial da existência. O toque e o calor dos corpos estão numa das projecções em filme – grandes planos do pêlo de um animal que vira paisagem e ícone do afecto simultaneamente.
Mas porque não lhe chega a bidimensionalidade das pinturas, das fotografias e dos tecidos ela introduz plantas e minerais na exposição. Os minerais são cristais que sublinham uma transcendência pelo diálogo que têm com a fotografia. As estruturas geométricas destes minerais são o condimento que nos conduz ao latente. Reclamam a transcendência, essa que os místicos defendem com unhas e dentes, e que todos alguma vez na vida verificamos.
A Cristina insiste, e sublinha, que a realidade nos dá elementos bastantes para reconhecermos que o enigma da nossa passagem é apreendido quando nos desarmamos do seu entendimento.
1. Este arquivo é composto, para além de imagens encontradas de autores anónimos, por uma coluna vertebral formada por fotografias captadas pelos seus familiares (pais e avós) e por si.

José Almeida Pereira